5 lições que o meu cão me ensinou sobre UX writing

Filipa Moreno
5 min readAug 2, 2022

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O Fausto à espera de saber se já podemos atravessar a passadeira

A maioria dos cães consegue aprender cerca de 165 palavras. Alguns chegam às 250 palavras, o equivalente a uma criança de 2 anos, diz um estudo de Stanley Coren.

Na série da Netflix “A Vida Secreta dos Nossos Animais”, a cadela Bunny usou os seus botões com palavras gravadas para dizer à dona: “ajuda”, “auch”, “pata”. Tinha uma pragana espetada entre os dedos.

O Fausto é um dachshund de 1 ano e chegou à nossa família com pouco mais de 2 meses. Chorou toda a primeira noite que passou connosco, mas depressa começou a conhecer os cantos à casa — que é como quem diz, descobriu quando travar antes das esquinas pontiagudas.

Com o tempo, percebemos o quão extraordinário é conseguirmos comunicar com o Fausto e entender o que quer dizer-nos. O momento em que nos compreendemos é mágico. E ensinou-me muito sobre como falar com ele e com os utilizadores, na minha vida como UX writer.

1. Quando menos é mais

“Fausto, senta o rabinho no chão.”

As pessoas podem conhecer até cerca de 40 mil palavras e criar frases completas — e complexas. O Fausto treinou-me para compreender o limite do seu vocabulário.

Escrever de forma curta é uma das bases do UX writing. Porquê usar demasiadas palavras para transmitir ideias simples?

Começa por olhar para uma interface e pergunta qual é o propósito de cada palavra que ali está. Se a resposta não aparecer na ponta da língua, então talvez possas cortar algumas dessas palavras.

É um exercício difícil, mas é possível chegar lá:

  • escreve a primeira versão do teu copy
  • depois, reescreve-a com menos palavras
  • repete até perceberes que já deixaste cair todas as palavras de que não precisas para passar a mensagem.

O Fausto ensinou-me que não precisa de frases completas. Basta dizer-lhe “senta” para saber que vem aí biscoito se dobrar as patinhas e puser o rabo no chão. Se ele se senta ou não, isso já é outra história.

2. Instruções claras, comportamentos certos

“Fausto, por favor, não roas a tomada, podes apanhar um esticão.”

Não há como explicar ao Fausto que pode estar em perigo. Mas é possível redirecioná-lo para um comportamento desejado e evitar outro que pode trazer consequências negativas.

Usar instruções claras, escritas em linguagem acessível, é a forma de mostrar aos utilizadores quais os comportamentos desejados.

Escolher as palavras mais rigorosas para a ação que está em causa é indispensável.

Como é que podemos ajudar os utilizadores a cumprir a tarefa que têm em mãos? Cada pedaço do nosso copy deve responder a esta pergunta. Fazê-lo com palavras vindas da linguagem natural das pessoas é abrir caminho para que sejam compreendidas, com menos esforço e mais rapidamente.

E foi assim que aprendemos a dizer “não” ao Fausto.

3. Visão (e audição) seletiva

“Fausto, aqui. Fausto, aqui. Fausto, aqui.”

Que os utilizadores não lêem é um mito. Mas também não se pode dizer que leiam tudo o que escrevemos nas interfaces.

As pessoas só vão ler o que precisam para fazer o que querem. Os seus olhos vasculham as páginas à procura dessa informação importante. É como uma seleção natural para minimizar a carga cognitiva: primeiro, encontrar o que se procura, e só depois ler.

O Fausto também escolhe o que quer ouvir. Quando quer ouvir. Se lhe pedimos que se deite, cheira o ar para perceber se o biscoito que temos para a troca é interesse o suficiente. E só depois se deita.

Quanto mais ajudarmos os utilizadores a encontrar a informação que procuram, mais úteis conseguimos ser.

Como todos os cachorros, o Fausto padece de uma pontinha de défice de atenção. A verdade é que a nossa capacidade de concentração também já teve melhores tempos, quando conseguíamos focar-nos por mais de 15 segundos seguidos.

Nota: Cada pedaço de frango merece mais uns 5 segundos de atenção do Fausto.

4. O problema está nesta ponta da trela

“Fausto, xixi é na rua.”

Um bom design e um copy eficaz podem prevenir erros, mas não conseguem evitá-los sempre.

Recuperar de um erro sem grande desconforto ou esforço é fundamental para devolver os utilizadores à jornada, de preferência, sem abalar a confiança que construímos.

Assumir a culpa dos erros, manifestar empatia e mostrar o caminho de volta são 3 elementos para ter uma boa mensagem de erro.

Quando o Fausto fazia xixi em casa, só podíamos limpar e seguir em frente. Quando fazia xixi na rua, então, celebrávamos com entusiasmo para reforçar o bom comportamento.

Em cada mensagem de erro, devemos assumir o problema e libertar os utilizadores desse peso. Em cada momento de sucesso, aplaudimos os utilizadores na medida da tarefa que conseguiram fazer.

Ainda hoje, o Fausto vem pedir os mimos que merece sempre que faz xixi no sítio certo.

5. Reconhecer uma cauda a abanar

“Fausto, está tudo bem.”

Agitar a cauda nem sempre é sinal de alegria. Conforme o contexto, pode querer dizer que o Fausto está a ficar ansioso e vai reagir a um estímulo.

Antes de escrever uma única palavra, temos de conhecer o contexto dos utilizadores, as suas limitações, hábitos, comportamentos.

O Fausto reage a objetos com rodas: motas, bicicletas, skates e até aqueles carrinhos de ir comprar fruta ao mercado ao sábado de manhã.

É certo que nunca vamos conhecer todos os estímulos que podem despertar uma reação indesejada nos nossos utilizadores, mas percorrendo o caminho da empatia somos capazes de antecipar algumas dessas situações.

É certinho que, quando chegamos a casa, vamos encontrar uma cauda a abanar de felicidade.

Usar linguagem clara, curta, concisa e útil vem na lição n.º 1 de UX writing, na escrita para utilizadores de produtos digitais. Podes levar os mesmos princípios para a vida fora dos ecrãs, seja no treino de um cão, seja na escrita de um email para uma candidatura de emprego.

No final do dia, as pessoas só querem transmitir mensagens da forma mais eficaz possível entre si.

O contrário de uma comunicação eficaz é confusão, entropia — o mesmo que vai na cabeça do Fausto, quando a inclina para o lado, sem perceber o que deve fazer para ganhar o próximo biscoito.

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